Updates ao texto “Sobre política, recortes e falácias”

[este post é um update de texto anterior, Sobre política, recortes e falácias, publicado originalmente no Amálgama e, posteriormente, também aqui no caducando.]

Update 17/05/2010 – Entrei em discussão no pousté Da Mentira como Método, no mesmo Amálgama que abrigou outro pousté meu, e discordamos, aquele autor e este, sobre pontos de vista; ou não exatamente, mas procuro por uma coerência nem sempre encontrada nas discussões sobre política.

A revista semanal Veja é costumeiramente demonizada. Costuma-se dizer que os textos nela impressos são inadmissíveis, por motivos os mais diversos; neste caso, afirma-se que, por ser órgão jornalístico, deve haver obrigatoriedade com a verdade – ok, simplifiquei: há gente falando por aí sobre o caso aos borbotões, procurem –. Nem há como negar fatos, mas a realidade como a conhecemos não é tão simples: Veja vende notícias, assim como Carta Capital e o Observatório de Imprensa. Todos têm inclinações e interesses. — sequer equiparo pra justificar, este não é o ponto!, que é a incoerência (nem sempre assumida ou, ainda, percebida), a necessidade de servir a algum ânimo.

Programas jornalísticos na TV têm, cada vez mais, sonoplastia nas matérias: porque uma notícia precisa causar algum tipo de emoção, como num filme? A própria edição já é suficiente pra criar climas, tensões. A pergunta que pode ser feita, então, é: “o que deveria ser considerado jornalismo responsável?” Ainda: por que as regras que se aplicam ao que seria o jornalismo responsável não precisam, necessariamente – veja os comentários do texto no Amálgama –, ser aplicados a um documentário? Se for por simples questão de as pessoas acreditarem na imprensa, podemos lembrar que muita gente confunde ator com personagem com artista (sim, nem todo ator consegue ser um artista). Neste aspecto, não me soa bem dizer que um documentário pode ser uma peça artística e, como tal, não precisa ser fidedigno à uma realidade. É o risco da simplificação e me obriga a pensar: se uns deveriam ser policiados – como Veja ou Reinaldo Azevedo –, porque outros não deveriam – como Michael Moore –? Que veículos/mídias merecem um selo “as informações contidas aqui podem não ser verdadeiras”?

A questão dos recortes permanece e permanecerá.

Em _não contem com o fim do livro, Umberto Eco e Jean-Claude Carrière discutem brevemente assunto relacionado (obrigado, Amálgama e Record por enviarem o livro pra que o resenhe – em breve no Amálgama), discutindo justamente a questão da verificação da informação, tema muito importante em tempos de web 2.0:

UE: Mas quem irá verificar o verificador? Antigamente, os verificadores eram membros das grandes instituições culturais, das academias ou das universidades. Quando o senhor fulano, membro do Instituto sicrano, publicava seu livro sobre Clemenceau, ou sobre Platão, conjecturávamos que as informações que ele nos fornecia eram exatas, porque ele perdera uma vida inteira na biblioteca verificando todas as suas fontes. Mas hoje corremos o risco de que o senhor fulano também tenha colhido suas informações na Internet, ficando então tudo sujeito a confirmação. Para ser honesto, isso podia acontecer inclusive antes da Internet. Nem a memória individual nem a memória coletiva são fotografias do que realmente aconteceu. São reconstruções.

JCC: Você sabe tanto quanto eu a que ponto as exigências do nacionalismo, contribuíram para deformar a visão que temos de determinados fatos. Os historiadores, à sua revelia, obedecem freqüentemente, e ainda hoje, à ideologia, manifesta ou latente, de seus países. Os historiadores chineses falam neste momento qualquer coisas sobre as relações antigas da China com o Tibete ou a Mongólia, e isso é ensinado nas escolas chinesas. Ataturk, na sua época, mandou reescrever de ponta a ponta a história da Turquia. Fez turcos viverem na Turquia na época dos romanos, séculos antes de sua chegada. E assim por diante, em toda parte… Se quisermos verificar, onde verificaremos? Os turcos, julgamos saber, vinham da realidade da Ásia Central, e os primeiros habitantes da Turquia atual não deixaram nada escrito. Como fazer?

Em outras palavras: como e por que censurar?

O assunto não se esgota aqui, nem na Turquia ou tempos de Ataturk. Não consegui encontrar boas fontes, mas conta-se que – e quem verifica o que digo, mesmo? – Hegel escreveu trabalhos citando Newton de maneira errada pra dizer que parte da teoria proposta por ele, Isaac, estava errada. Há quem diga que os termos utilizados por Hegel não eram dos mais claros, apenas (uma discussão, aqui); este argumento, da falta de clareza, é atribuído por alguns a toda filosofia hegeliana, aliás (talvez não toda, mas eu não saberia precisar): Schopenhauer e Boltzmann são dois pensadores que discutiram o quão vago Hegel era, com o objetivo de se mostrar certeiro.

Eu quero acreditar

Falar em desonestidade e falta de profundidade pode ser um perigo, um perigo, em determinadas situações. Ora, não seria, não houvessem casos flagrantes de falta de profundidade e honestidade por parte de nossas figuras públicas ou de quem quer esteja envolvido. Há, entretanto, mais que isso, de se tomar cuidado com as teorias conspiratórias – tão alegremente disseminadas e que fazem de Fringe um sucesso quase tão grande quando X-Files ou, num exemplo ainda mais gritante e real, faz com que pais e mães acreditem que vacinação infantil causa autismo (nota aqui) –.

A discussão poderia continuar com discussões de caso, mas o recado está dado: é importante ficar atento às falácias e evitar a reprodução de argumentos de profundidade duvidosa e, inda mais, ad nauseum: repetição pode ser eficiente a curto prazo, mas não é a maneira mais inteligente de fundamentar uma discussão, qualquer. O que não significa que a discussão não possa existir. Temos obsessões e, é possível, algumas pessoas precisam delas, fomentá-las, recriá-las. O debate é importante e deve ser contínuo. Aí, cito Reinaldo Azevedo – sim, li O País dos Petralhas e aproveito pra provocar (aqui, sobre este assunto, em todos os sentidos) mais reflexões – ao repetir algo que me soa muito real, democrático (no blog do autor, aqui):

O que eu penso? Censurar Letterman ou Moore? É claro que não. Acho que a sociedade americana, a despeito do que eu penso do delinqüente intelectual e moral que fez Tiros em Columbine e Fahrenheit 11 de Setembro, é melhor com eles. Sou mais preciso: acho que a sociedade americana só é a mais importante e consolidada democracia do Ocidente porque ambos podem fazer o seu trabalho — ainda que eu discorde da abordagem e considere Letterman um prosélito do Partido Democrata e Moore um bandido. A questão não é de gosto. Quem se mete na vida pública ou faz um debate público — e isso vale também para os jornalistas — está sujeito ao confronto de idéias.

(Desenvolver essas idéias apenas trazem à tona a necessidade de um novo texto: sobre o politicamente correto. Aliás, uma idéia antiga que toma corpo e pede passagem. Num futuro próximo, quem sabe?)

foxmulder

Mulder não é o único a querer acreditar. Ou é?

Comments
3 Responses to “Updates ao texto “Sobre política, recortes e falácias””
  1. Vanessa disse:

    Engraçado é que falávamos exatamente sobre isso, ontem – eu, marido e um amigo:

    Sobre a liberdade americana. Essa liberdade total, na qual o Estado não tem o direito de interferir. Tá, mas e quando surge coisas como essa citada por você; a questão da vacina?

    Às vezes, esperar criticidade por parte das pessoas não é o suficiente. Até porque boa parte é guiada sem qualquer tipo de questionamento, tipo o lance da onda – Mas digo isso em assuntos mais comprometedores de um bem-estar comum – ou saúde coletiva, no caso da vacina.

    De qualquer forma, concordo plenamente sobre a expressão das idéias…. Que existam, que se refutem!

    E é por essa razão que adoro falar da Veja. Alías, leio só pra ”passar mal” depois…
    HEHEHEHEHEHEHE

    • @caducotavio disse:

      O que não é exatamente ruim. Lembro de uma das confissões de Nelson Rodrigues, em que ele falava da importância de se ler Time. Dizia algo como: “falar bem, falar mal; é importante saber o que se passa na cabeça desses leitores, é importante.”

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  1. […] Sobre política, recortes e falácias maio 26, 2010 tags: Falácias, Friedrich Nietzsche, política, realismo, recortes, sofismas by @caducotavio [escrevi este texto há algum tempo para o coletivo Amálgama e, frente à novas possibilidades, reedito-o com updates e pequenas modificações; pra ver o original, clique aqui]. Pra ver updates a esta entrada, vá pra cá.] […]



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